quarta-feira, 19 de março de 2014

Kurt

– Outro dia, Né?
– Sim Kurt, outro dia.
– As vezes eu tenho a impressão de que já vivi esse dia, é estranho.
– Isso se chama Déjà vu, é perfeitamente normal.
– Eu sei o que é Déjà vu, mas doutora, é diferente, é muito real, assim como  um sonho que eu tive  hoje.
– Um sonho? Me conte sobre ele, talvez seja um sonho lúcido – Annie fingia surpresa com a fala do seu paciente.
– Ahh, eu não quero – Kurt queria falar – é meio pessoal e eu fiquei com um pouco de medo também, foi estranho e era lúcido, real de mais.
– Mas é para isso que eu estou aqui, sou sua psicóloga, você pode confiar em mim, pode me contar tudo, eu vou te ajudar.
– [ suspiro ] Tá bem, eu conto...


Tudo começou como um sonho, ele estava lá, eu que apareci, ele me criou.
Era eu e mais três pessoas, Ren, Jia e a Mag, eles são meus amigos de verdade. Nós quatro entramos em um portão, grande, prateado, com barras, tinha um senhor lá, ele que abriu para a gente, seu nome era Henry... – Kurt parou e pensou, ele conhecia o cara do portão -  Continuando, a ideia do sonho era que nos estávamos atrás de um estagio, não me lembro em que, mas era um estágio por mais estranho que pareça. Então, um pouco à frente do portão havia uma mulher parada, estava nos esperando, ela ia nos dar um tour pelo lugar, nesse momento a ideia de estagio já havia se perdido, se transformou em uma excursão, dentro da minha mente, uma excursão estranha por entre meus maiores medos.

Estava nevando no momento, tinha duas casas, uma à direita e outra à esquerda, atrás tinha floresta, estava calor, era quase de noite, eu sentia o crepúsculo. Entramos na casa da direita primeiro, as paredes dela era branca, tinha teias de aranha por todo lado, parecia que alguém vivia lá, pelo menos seu fantasma. Era minha antiga casa. Dava pra sentir um clima de filme de terror, tudo muito sombrio, só não fiquei com medo porque Mag estava do meu lado, ela era meu conforto naquela situação desconfortante.

Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Agora, na verdade, são muitos membros, mas um só corpo.

Tudo ficou mais estranho quando pedaços de corpos começaram a aparecer na casa, eles estavam lá, eu que não tinha reparado. Abracei Mag. Pernas, mãos, braços, pés, cabeças, corpos esquartejados, deixados lá, para todos verem, foi nesse momento que eu reparei que Ren e Jia tinham sumidos, haviam restados Mag, eu e Demetra nossa guia. Como que alguém faria uma coisa  daquele jeito, achei que era coisa da minha mente, a guia continuava a falar, não lembro o que falava, não reparei.

Pro meu alivio saímos daquela casa, passamos pelo pátio nevado e entramos na outra casa, era um a mansão, com dois andares, feita de madeira. Quando entramos percebi que aquilo não era um tour, iríamos sumir assim como meus outros amigos, Demetra havia sumido. No centro da sala principal havia uma mesa com vários frascos, dentro deles tinha cabeças de crianças e outras bizarrices. Eu sempre fui medroso, quando era pequeno assisti muitos filmes de terror e suspense, me senti dentro de um. Era um sonho. Ouvi Mag correndo e  gritando para fora da casa, corri atrás dela, estava de noite não vi nada. A neve havia sumido, havia mais árvores, a outra casa havia sumido.

Me vi correndo de uma aranha gigante aos tropeços dentro de uma floresta. Soube o que aconteceu com Mag, e no final das contas, perdi minha protetora. Ela me pegou com umas das oito pernas e me disse que não era bom ser antissocial. Acordei, fiquei com medo de sair da minha cama, ela ainda podia estar ali, ainda podia me matar.

       – O que você acha que esse sonho era doutora?
       –  Bom, você anda muito preocupado com a vida, acha que pode controlar ela de qualquer jeito, faz de tudo para que ela seja perfeita, procure algum hobbie algo que tire um pouco essa ideia, vai te fazer muito bom.
       – OK, vou tentar – Kurt não estava satisfeito com a resposta da doutora.
       – Certo, nosso tempo acabou até a próxima sessão.
       – Até.


Kurt voltou para sua cela, na ala psiquiátrica da prisão WhiteDoor. O Carcereiro perguntou para Annie se o caso do garoto havia progredido, ela disse:

       – Ele ainda pensa que aquilo é um sonho, que não matou seus amigos de escola, que não matou Mag. Continua repetindo a palavra "Estranha", resquício da vida escolar dele, ele é a aranha. O melhor de tudo é que ele não lembra que fez tudo aquilo, coitado, se soubesse, se lembrasse do que viveu, porque matou seus amigos... fico feliz que ele não se lembre de como o medo pode ser tão transformador. Tchau até amanhã.
       – Até.